terça-feira, 2 de janeiro de 2007

Legendas

Algumas experiências realmente modificam nosso interior. Mas essas mudanças não ocorrem logo após o momento em que acontecem as experiências. Não são como em um filme que existem reviravoltas emocionais logo após os acontecimentos. Precisamos da legenda: Seis meses depois... E é neste vão que pode durar seis, oito ou até 12 meses, que refletimos e nos deparamos com nós mesmos, com as conseqüências dos nossos atos. É estranho e indecifrável porque as pessoas usam tempo diferentes, mas o fato é que ele é a única variável que não podemos descartar para compreendermos a marcha da história de um indivíduo, ou até mesmo de uma sociedade. Acredito que qualquer mudança imediata não é mudança é instinto de sobrevivência, reflexo natural. A mudança mesmo precisa de tempo que é acompanhado de dor, sofrimento e angústia. O tempo é o alicerce que solidifica os sentimentos, as reações e a percepção das conseqüências que decoram um quarto a meia luz, que possui qualquer coisa de melancólico, qualquer coisa de alegria, mas que reflete todos os momentos vividos durante uma legenda que simplesmente é passada solitariamente em uma tela de fundo azul e com uma trilha sonora que nunca será ouvida por aqueles que um dia acreditaram conhecer quem era você. Acontece que você não é mais você, é claro que continua tendo o mesmo formato, os mesmos pés, mãos e cabelos, mas são pés calejados, mãos arranhadas e cabelos perdidos no mesmo vão que um dia não terá mais importância, porque não será mais uma legenda e sim uma cena principal ou quem sabe todo um ato. Evidente, atraente e com a mesma inteligibilidade que as experiências e suas mudanças.
Seria pretensão minha descrever comportamentos humanos de forma genérica, mas acredito que no mínimo uma ou duas pessoas compartilhem de minhas percepções. O principal que quero transmitir neste texto é o que e como mudou. Um dia me falaram, não me recordo exatamente quem, quando e onde, que criamos mecanismos de defesas. Acredito nisso. Mas acontece que um dia esses mecanismos se gastam com o tempo, esse mesmo que também servirá para solidificar a mudança desse mecanismo. E quando isso acontecer você se deparará com outro eu. Um eu doente, fracassado e inseguro. Este eu não conseguirá usar aqueles mecanismos que um dia serviram para escondê-lo de você mesmo. Será uma bolha de ar que surge no fundo o oceano e flutua lentamente até a superfície e se misturar com a atmosfera da sua consciência. Causando efeitos e conseqüências que desencadearão feitos e ações doentias, fracassadas e inseguras. Este ar que brotou do fundo do oceano se dissipará no infinito do espaço e será neste momento que o tempo atuará como uma legenda de um filme. E após seis meses... Você começará a criar novos mecanismos para esconder o eu do seu outro até que o seu outro se torne seu eu. E este eu será alguém consciente do seu outro, que ficará lá. No fundo do seu pensamento, latente e sofrendo as ações dos novos mecanismos que um dia se gastaram com o tempo. Mas aí não terás mais o tempo, e no leito de sua morte, se isso acontecer, perceberá que toda a sua vida foi uma constante defesa contra a própria vida, levantará e ao olhar nos fundos de seus próprios olhos refletidos no espelho se dissipará no espaço e tudo se tornará apenas uma coisa, uma pasta condensada e disforme. A consciência não existirá mais e a única coisa que sobreviverá será o tempo.