sábado, 17 de novembro de 2007

Violência gera violência

É comum entre profissionais, intelectuais e cientistas sociais afirmar que violência gera violência. De fato não precisa ser intelectual para apurar a sua veracidade, basta observarmos mais atentos à realidade e constatarmos tal máxima. Trata-se de dois princípios básicos: o primeiro é que toda ação gera uma reação e o outro é o nosso próprio instinto de sobrevivência combinado com indignação diante de situações de violência individual e social. É preciso observar, entretanto, que não existe apenas um tipo de violência, a física. Para citar apenas duas temos a psicológica e a simbólica, podendo por sua vez gerar a física.
No entanto, gostaria de convidar o leitor a refletir sobre as causas da violência. Neste aspecto existe no senso comum a idéia que pobreza gera violência. Caso fosse verdade teríamos, no mínimo, 30 milhões de cidadãos comuns praticando crimes e nenhum político envolvido em esquemas de corrupção. Por outro lado, não podemos desconsiderar o fator sócio-econômico, o que ocorre é que a violência praticada por pobres é gerada pela combinação da extrema pobreza com a extrema riqueza, ou seja, a desigualdade social, que nosso país possui um dos índices mais elevados do mundo. O pobre violento é aquele que se indigna com sua situação quando observa a outra ponta da sociedade, o rico ostentando seus bens. Alguns ingênuos dizem que se trata de inveja, porém não é tão simples quanto parece. Para entendermos tal situação é preciso se aprofundar na lógica do sistema capitalista.
A ideologia capitalista burguesa declara juridicamente que somos todos iguais, mas a realidade concreta evidencia o contrário. Via de regra, as pessoas não possuem oportunidades e condições de vidas iguais, somos seres desiguais na igualdade. E a capacidade individual passa longe da explicação dessa situação. Evidente que existem diferenças entre as pessoas, mas elas não servem como explicação dessa realidade. Quantas e quantas vezes encontramos pessoas potencialmente capazes para executar igual ou melhor atividades exercidas por ricos e milionários, faltando-lhes apenas as oportunidades para se desenvolverem. O centro dessa situação está na organização do mundo do trabalho em que separa proprietários de não-proprietários, em que os primeiros extraem da combinação do trabalho coletivo dos segundos o sobretrabalho que gera o lucro, impedindo através do poder econômico o pleno desenvolvimento das capacidades dos homens e mulheres menos favorecidas. O trabalhador é o combustível das engrenagens do sistema e sua função é ser “queimado” enquanto seu proprietário usufrui dos benefícios que a máquina lhe proporciona.
Não pretendo colocar a discussão em termos maniqueístas, da luta do bem contra o mal. Seria uma simplificação arbitrária. Tal situação decorre de um processo histórico consolidado e em construção, cujo desenvolvimento deu-se no Brasil de forma tardia e atrelado a aspectos conservadores. Uma expressão desse processo é a associação do capital produtivo com o capital fundiário, que criou no Brasil uma forma específica e particular da renda da terra. A reforma agrária, por exemplo, é um problema conservado pelas elites brasileiras, enquanto em outros países essencialmente capitalistas tal problema encontra-se resolvido, para citar apenas dois temos o Japão e os EUA.
Esta organização do mundo do trabalho se expressa na composição política do Estado (leia-se organização coletiva entre os indivíduos dentro de uma sociedade). O Estado por princípio político é local no qual os segmentos da sociedade civil devem ser representados, cada qual organizado em partidos ou por outros meios. E é neste universo que se pratica atualmente o maior ato violento: a corrupção. A corrupção é uma violência contra o cidadão que paga seus impostos, uma violência contra a fé pública, uma violência contra a soberania política do indivíduo, uma violência institucionalizada, ou seja, não se trata apenas de Renas, ou Roriz, estes são apenas agentes de uma estrutura corrompida. O nome da vez passa e a instituição fica e produz outros nomes. Assim, temos a institucionalização da violência simbólica contra o indivíduo, que combinada com a desigualdade social descrita linhas acima produz a violência física nua e crua, salvo exceções patológicas, que de certa forma também possuem raízes nas relações sociais, mas não se justificam por elas. O que nos chama a atenção neste processo é a generalização e banalização da violência social cotidiana, furtos, crime organizado, violência doméstica, entre outros. Esta violência é resposta ao quadro social e político do país, embora, muitas vezes tais atores nem se dão conta disso, pois caso tivessem consciência da estrutura que cria suas vidas talvez a situação fosse diferente.
É importante lembrar que em outras épocas a política foi espaço privilegiado para expressar e lutar contra essas desigualdades. A indignação se manifestava por meio da organização política enviesada por uma postura ideológica. Foi, não é mais. O que vemos hoje é um sistema político que mostra claramente sinais de que esta via foi corrompida. E a cada dia que passa cidadãos comuns perdem sua fé no ente público e transforma a política em meio para satisfazer seus interesses particulares, praticando violência que por sua vez gera mais violência. Portanto, não basta investir em policiamento para combater o crime e a violência. É necessária a atuação em diversas frentes, entre elas, o social e o político.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Hoje é um dia daqueles

Hoje é um dia daqueles, daqueles em que fico deitado no tapete agarrado em minhas almofadas na tentativa de conseguir algum conforto artificial. Fiquei ali deitado tentando me observar do teto da sala. Meu corpo refletia feixes de luzes da TV que passava algum programa que não faço a menor idéia do que falava. Pensei na festa de ontem, lembrei-me da Geisa, uma advogada que conheci e que troquei olhares e algumas palavras imbecis. Não consigo entender quem sou nesses lugares, talvez seja um rapaz com olhar triste, com o peito fechado, o coração sangrando, enfim, essas coisas que não deixo transparecer. Lembrei-me também que poucas horas antes de conhecê-la havia prometido pra mim que ficaria sozinho pelo resto da vida, que não tentaria dividir minha vida com ninguém. Fico me perguntando, quando isso começou? Porque não sei mais dividir? Talvez a pergunta certa não seja esta. É melhor perguntar: algum dia eu já soube dividir minha vida com alguém? Perguntas inúteis para uma vida curta. Volto a me observar do teto, a sala está girando, girando, girando. No centro meu corpo se transforma em uma massa homogenia. No teto o poeta, no chão a realidade. Levanto-me e venho escrever essas poucas palavras, mas ambos continuam lá, um no teto e outro no chão. Aqui apenas uma carcaça, um instrumento, uma peça de computador comandada pelo poeta que sussurra sua mais sublime visão do chão. Acendo um cigarro e me lembro que me prometi parar de fumar. Volto a me perguntar: quem era aquele rapaz na festa? O do chão, do teto ou do computador? Talvez todos, talvez nenhum, agora isso já não importa, a festa acabou e ficaram apenas lembranças de um olhar.