terça-feira, 31 de outubro de 2006

Sinto meus ossos

“Como já disse que era um dia de outubro, não me atrevo a perder o seu respeito e pôr em risco o bom nome da ficção mudando a estação e descrevendo lilases pendendo de muros de jardins, açafrões, tulipas e outras flores da primavera. A ficção deve ater-se aos fatos e, quanto mais verdadeiros os fatos, melhor a ficção – é o que dizem”
Virginia Woolf, Um teto todo seu.


Sábado, sinto os ossos roçarem minha pele, a alma esfria-se, os olhos se agitam, a boca estremece, os dedos impacientes procuram um lugar aconchegante no espaço. Presságio de algo quer irá acontecer, mas nada acontece. Tudo é irritantemente estático, branco, calmo. Procuro refúgio nas lembranças, mas...
Algumas horas depois...
Domingo, dia de eleições, como desempregado vivo este dia com uma esperança que não se renova perante as alternativas, mas estou salvo pela distância, vou justificar. No caminho encontro três reais na rua, antes não ter encontrado, pois o restante do caminho direciono meus olhares para a rua na esperança – essa mesma que disse anteriormente – de encontrar mais algumas notas. Caminho em direção à mesa de justificação, na minha frente uma senhora, cabelos curtos e loiros e várias rugas que lhe marcaram a vida e já não consegue compreender o destino que ela tomou, entrego-lhe meus documentos e ela preenche minha ficha, primeiro erro, tudo bem, troca a ficha! Ao meu lado um homem gordo, barba por fazer e com cara-de-poucos-amigos reclama sobre a burocracia, mas é claro amigo você esqueceu o título de eleitor. Ele resmunga alguma coisa do tipo não vou gastar meus neurônios com essas coisas. Logo em seguida escuto ele ligar para alguém e pedir o número. Aaaa... então tá... não vai gastar neurônios lembrando de trazer o título, mas vai gastá-los ligando para pedir o número. Sem-comentários! Olho para a senhora e percebo que no campo da data de nascimento ela escreve o ano de 1960. Tudo bem que sou careca e pareço ter mais de quarenta anos, mas no momento estou com meu gorro xadrez, aí não vale. Todas as outras mesárias solicitam para que o eleitor verifique seus dados, ironicamente, a nossa querida amiga não pede. Educado, corrijo minha idade, muito obrigado, mas pode ficar com esses vinte anos a mais pra você. Saio para entregar um cd para uma amiga, no caminho os três reais fazem diferença: “- Uma cerveja, por favor!”. Que sede, que delícia. No bar as pessoas discutem as eleições, gritam suas máximas sobre a política, os canditados e suas próprias vidas. Ao mesmo tempo em que mato minha sede reflito sobre minhas neuroses, ou no caso, como uma neurose funciona, chego a simples conclusão que uma neurose é vivida individualmente e criada socialmente, mas outro dia eu conto como cheguei a esta conclusão, ou não. Entro em uma lan house e tenho duas notícias que fazem a diferença: duas antigas paixões estão namorando! Como disse: bom pra elas, ruim pra mim... Mas a vida é assim mesmo, ou a justificamos assim para não sofrermos mais... Até agora não sei se é melhor sentir o desejo de entrar na rede e encontrar alguém para conversar, ou a angústia de sair e terminar uma conversa agradável que há muito tempo não tenho pessoalmente. O fato é que saí com pontadas no coração, penso, ah, como seria bom o conforto da morte nesse momento. Simplesmente cair e morrer, seria ótimo morrer na calçada à beira da grama de um jardim descuidado, bem melhor que morrer no banheiro tomando banho, isso sim não suportaria, não pelo fato da morte, mas de ser encontrado nu, muito desagradável. Mas nada acontece, apenas vertigens e mãos inchadas e frio na boca do estômago e mais pontadas no peito. Nem me preocupo em procurar um médico ou tomar remédios, pois sei que não é doença do corpo. Mais uma cerveja, por favor, e um maço de cigarros também. Dizem que o cigarro mata aos poucos, que droga, não tem alguma coisa mais rápida aí. Continuo caminhando e desisto desse negócio de morte, antes fosse como dizem: “aquele bafo horrível na nuca!”. Que nada, com certeza a morte é confortante, necessária e inevitável. Com certeza não tenho mais crises-de-pânico por aceitar a morte, ou melhor, até desejá-la, não que penso em suicídio, pois não conseguiria morrer com a idéia que minha mãe sobreviveria com este carma, já basta um na família. Mas deixa-a pra lá, ou pra depois, o fato é que enfim chego em casa na esperança de cair na cama e chorar como uma criança que acaba de descobrir que seu brinquedo preferido foi roubado, mas ele ainda está ali, aqui, dentro de mim, crescendo como nunca, sofrendo como antes. Relembro que hoje é domingo e que é o dia mundial de pequenos e ridículos escritores desabafarem suas angústias, como disse Sartre: “Escritores de domingo! Pequenos burgueses que escreviam anualmente um conto, ou cinco ou seis poemas, para pôr um pouco de ideal na vida”.
Depois desses momentos fixo-me na idéia que amanhã é segunda e que não irei trabalhar e que vou iniciar um regime e que tenho que escrever minha dissertação. Relembro e penso em tudo que aconteceu e escrevo e leio e reescrevo e releio, que bosta, chega! Vou ler Caio Fernando de Abreu, para ver se aprendo alguma coisa...

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